Foi numa madrugada de chuva fina que Zé Binário conheceu Maria Mainframe. Ela grande, enorme, quase gorda, ou como ela gostava de dizer: “sou de grande porte”. Ele parecia mais uma placa de CPU. Fino, magrelo, compactado mas muito capaz. O problema dele era ser binário, ou excessivamente binário. Para muitos analistas de sistemas psíquicos, ele seria um psicótico, um bipolar, com variações de humor radicais.Tudo era 0 ou 1.
Maria Mainframe era Maria, apesar de Mainframe. Apesar de sua bipolaridade, era feminina. Havia uma zona escura, por assim dizer, na evolução tecnológica, quase humana daquela “Main”. O ambiente desta estória poderia ser DOS ou Windows, mas a bela lei do acaso misturou as coordenadas e o ambiente era só uma sala fria com ar condicionado.
Zé Binário passara a noite desenvolvendo um software. Iria ficar rico. Aquela era uma das inúmeras noites nas quais ele desenvolvia seu programa. Main processava as informações do Zé. Ele olhou para o clock. Três e quarenta e três. Que sono, vontade de tomar banho, fritar bacon com ovo e tomar coca-cola. Comer algo, já que não estava ainda em moda, comer chips com azeite e sal. Zé Binário olhou em volta. A sala estava um pouco desarrumada, mas nem tanto. Não havia criança,esposa, bola de futebol ou indícios de uma vida conectada com o que todo mundo faz. Ele era eminentemente diferente. Estava mais conectado a fios e cabos,do que com a cotidiana realidade. Seus pais, não mais existiam. Seus irmãos desenvolviam seus enredos em outros arredores. Foi aí que o Zé Binário percebeu que seu mundo gravitava em torno daquelas máquinas e que isso não era bom ou ruim, era apenas diferente. Ele teve um raciocínio trinário e isto era um sinal de progresso. A Main continuava processando, outros de pequeno porte também. Havia mais do que uma magia científica naquela sala, havia um input inicial que se chamava afeto. Afeto: palavra inexistente na linguagem computacional que quer dizer: afeição, amizade, amor.
Zé Binário se afeiçoou pelas máquinas e descobriu principalmente sua ligação amorosa com a velha Maria Mainframe. Este tipo de amor é mais fácil de lidar. A gente briga, pára, desliga a máquina, sai do sistema, às vezes volta. Assim Zé Binário se apaixonou pela Main e se deu seu primeiro input. Tal qual um beijo que acelera todas as partículas atômicas, agora o Zé pode perceber que sua família era eminentemente mecânica. Havia afeto naquele monte de circuitinhos, placas e cabos que o circundavam e que o conectavam com milhões de pessoas, que como ele, pareciam tão sós e tão mecanizadas.
Maria Helena Junqueira Reis
Maria Helena,
ResponderExcluirSua sensibilidade é ligada a um pensamento trinário, quaternário... enfim, cheio de afeto e inteligência. Admiro suas letras.
Obrigada por este texto que inspira, que respira amor.
Abraço forte,
Júlia